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Mostrando postagens de 2021

Aos domingos!

 Logo cedo, a família despertava para ir até a igreja assistir a missa do padre Inácio. O pároco era um homem de baixa estatura, beirando seus sessenta anos. De costas parecia um menino, não fosse a careca. Conhecido como "bom de garfo", o que explicava suas formas  arredondadas. Uma figura um tanto quanto indecifrável, irriquieto, um pouco evasivo, tinha o discurso na ponta da língua, decorado, para tudo, desde as saudações aos seus paroquianos, o sermão, o adeus e até a próxima...nada de novo...enfadonho... Heidi não conseguia evitar, bocejava, de sono e de tédio. Enquanto o ritual se desenrolava já havia fugido dali dezenas de vezes. Um beliscão da mãe era o sinal que precisava voltar.  Mais adiante uns dez bancos, estava Rosa, a secretária do padre, figura popular, carismática. Mulher de meia idade, corpulenta, totalmente dedicada às atividades de manutenção da igreja e da residência que dividia com o pároco. Lavava, passava, cozinhava, cuidava da horta, dos animais, enfi

O mundo de Heidi!

  Corria, de braços muito abertos, como o pássaro que agora sobrevoava  a planície...  Sentia seu corpo adolescente ganhar impulso, poderia até voar, como ele, sabia que podia  mas... temia nunca mais voltar...

Aos domingos...as crianças

A criançada da Vila dos Plátanos se juntava e era eletrizante, meninos e meninas juntos, comungando o melhor da infância. Bola de gude, carrinho de rolimã, montar a casinha para depois brincar nela, processo que podia levar o domingo inteiro, tudo feito com galhos de árvores, palha, folhas secas, musgo...engenharia pura.   Sair por aí com o bodoque em mãos, sumir no esconde esconde, "pular altura" (salto em obstáculo montado com galhos de árvores), apostar corrida sem prêmio algum, só para testar a resistência. Escorregar pelos barrancos era adrenalina sem fim...  E brincar de igreja então, neste caso o destaque era o padre e a disputa para o cargo era acirrada, e o posto ficava para quem tinha forte liderança no grupo e poder de retórica, enfim, algo que sempre gerava impasse e retardava a cerimônia. Comer e fazer as necessidades mais prementes, era coisa que se resolvia pelos arredores. O lanche era fast food de pomar, com um cardápio extremamente variado e cujo os molhos a

Todo dia era dia de índio!

"O bosque" era repleto de árvores, algumas grandes, frondosas, outras muito altas que se misturavam às nuvens, haviam as menores e as demais, como, pitangueiras, inúmeros pés de ameixa, amora, caqui, bergamota, laranja, cereja... Todas as frutas eram consumidas ali, ao pé da árvore, não se levava, não havia necessidade... Ah, tinha os Plátanos, muitos, de todos os tamanhos, não à toa que a vila se chamava "Vila dos Plátanos". Aprendera a respeitar a natureza, a fluir com ela, entender seus ciclos e também reconhecer alguns perigos. Bom, pensando bem, essa parte não foi  bem assimilada... O seu tempo transcorria  sem ser medido por horas, minutos ou segundos... Os sinais podiam ser o roncar do estômago, o sol a pino, os gatos, que já se foram sem que percebesse, ou algum arranhão que teimava em sangrar e estragar a brincadeira...  Podia se ouvir uma voz...longe... era quase inaudível, abafada pelo canto estridente das cigarras... - Haidiiiiiii

O leitor!

  A rotina para a maioria das pessoas da Vila parecia a mesma, exceto para o seu Artur da vendinha, o padre Inácio, a professora Neusa e a beata Rosa, que cuidava da igreja...  Para os  demais, a lida era com a lavoura, os animais e tudo o que se referia a vida na roça. Mas havia outra exceção, o pai de Heidi ("Haidi" ela corrigia a pronúncia, principalmente quando estava de mau humor).  Papai ocupava o tempo ocioso com a leitura, lia sempre, lia muito! Não tivera oportunidade de frequentar por muito tempo a escola, repetia pensativo, mas desde cedo aprendeu o gosto pelos jornais e livros e quando faltavam, relia tudo novamente. Também era criticado por isso, afinal, que serventia teria toda essa "cultura" aqui na Vila! Heidi o observava, estava um pouco arqueado para frente, com as pernas entreabertas e na mão, o jornal. Era sua posição favorita, por vezes parava um pouco, se espichava e depois voltava à leitura. Ficava assim, absorto... Costumava repetir: - Ler, f

A escola

 Os primeiros dias na escola foram difíceis para Heidi. Ter uma rotina "imposta" era algo quase insuportável, visto que acordar todas as manhãs, entrar naquele shortinho e sair por aí, era algo que agora ficava relegado a poucos dias da semana. Cedinho, era tirada dos seus devaneios pela voz que vinha da cozinha: -Haidiiiiiiii Mamãe não gostava de chamar duas vezes, então... Na Vila dos Plátanos havia apenas uma escola e todos os alunos ficavam na mesma sala. Tinha gente pequena como ela, mas também tinham os maiores... No seu primeiro dia de escola, Dona Neusa, a professora, apresentou Heidi para a classe e providenciou um: -Bom dia Heidi!! Em uníssono a turma lhe deu boas vindas. Impressionada com o eco produzido na sala, ajeitou- se na cadeira e respirou... -Seja bem vinda Heidi, estamos muito felizes em recebê-la! E você, feliz no seu primeiro dia na escola? - Não! - respondeu prontamente. A turma caiu numa sonora gargalhada. Sentiu calor, o rosto em chamas, desconcertou.

A lua

Rompia... sonolenta, espreguiçando-se majestosa entre as estrelas, enorme, brilhante, deixando uma luz tênue sobre a planície. Havia um fascínio, um mistério, sentia-se atraída por ela, tudo ganhava novos contornos, sombras, ruídos... um universo paralelo...uma prece antes do recolhimento... Estranhamente alguns animais despertavam, seus rumores ecoavam lá...longe, em uníssono, e só calavam aos primeiros raios de sol do dia seguinte...

Chuva...

Gotas grossas caiam contra a janela, e depois morriam num filete que escorria até o final do vidro, criando um acúmulo de água no parapeito. Chovera o dia inteiro e Heidi já estava sem criatividade para passar o tempo.  Sua mãe aproveitava os dias de chuva para colocar as costuras em dia. Com alguma sorte sairia um vestido para sua boneca, presente do último Natal. Era a única que tinha, barriga verde, de plástico. Quem será que tivera uma ideia dessas... fazer uma boneca onde pescoço, cabeça e membros eram rosados, e o tronco era verde. Achou estranho, mas não fez comentários, afinal não especificara as características físicas quando fizera o pedido ao papai Noel, então restava resignar-se.  - Saudades da vovó! - falou repentinamente, bocejando... Sua mãe levantou os olhos da costura, fitou-a por um momento e murmurou: -Hummm... O hummm significava: -Te conheço! Na casa do vô Afonso e da vó Léo, dias de chuva eram os melhores, quamdo todos se reuniam em torno da mesa da sala de jantar

Plínio

 Plínio foi uma criança feliz, gostava de ler, era esperto, criativo, espontâneo...mas levava a fama de preguiçoso. A sua família não gozava de boa situação financeira, e desde cedo absorveu conceitos de carência em vários aspectos. A vida era difícil, diziam, era preciso trabalhar duro.,tudo tinha um preço alto, enfim, estava lançada a sorte! E assim ele cresceu e deixou de lado todas as coisas "inúteis", literalmente deixou a "preguiça" de lado e focou nas batalhas que o esperavam, e pasmem, elas vieram de todos os lados! Também teve alegrias, algumas, mas sentia um vazio... Aprendera muitas coisas, tinha conhecimento formal, mas sentia-se sufocado pelo caos que se criara em sua alma. Havia muita pergunta sem resposta e ele as queria, agora! E assim começou o despertar de um homem.  Plínio voltou a sonhar, como antes, fazer planos e usar sua imaginação. Entendeu que quando parara de sonhar, de imaginar, tinha se afastado da mente de Deus, do seu poder de concepçã

O nascimento!

A Vila dos Plátanos era um lugar tranquilo, a vizinhança toda se conhecia e também sabiam da vida de cada qual.  Pouca coisa acontecia de interessante ou relevante, salvo raras excessões... Mas houve um dia atípico, e uma procissão de mulheres se revezava às portas da casa de Heidi. Todas a fim de conhecer sua irmãzinha rechonchuda, bonequinha, lindinha e tantos outros adjetivos que a deixaram com a impressão que jamais houvesse nascido outro bebê com tamanha beleza! Certamente tampouco ela, já que mesmo estando presente, ninguém reparou... Nem uma palavra sequer, todos babando pela criatura rosada e tranquila do berço... Saiu pela porta lateral da sala e foi ter com seus gatos... Entre um pensamento e outro, ergueu uma das gatas com ambas as mãos e sussurrou:  - Vamos fugir??  Entre as pernas do animal pode ver seu pai na porta da oficina, a poucos passos. Ele a fitava por cima do óculos...  Teria ele escutado suas lamentações, o plano de fuga, ou estaria comovido com sua situação? Na

Vôo

Soprou forte, e a flor começou a se desintegrar. Partículas cintilantes pairavam na atmosfera. Ficou a observarvá-las... soprou mais e mais... Sentia-se flutuando, meio tonta... Girou nos calcanhares, deu meia volta e foi em direção ao bosque. Alguém de casa a chamava com insistência, - Heidiiiiii Aproximou-se do plátano, olhou para cima, como a escolher o galho, subiu e acomodou-se num deles, e então fechou os olhos...

O resgate

  Um grande pássaro voava tranquilo e suavemente entre as nuvens branquinhas, feito flocos de algodão. Mamãe plantava algodão, era para o gasto, como costumava falar... Heidi só se dava conta quando já tinham os botões, prontos para serem colhidos, pareciam rosas brancas envoltas em uma casca endurecida de um marrom escuro. Tirar o miolo branquinho e macio da flor, fora tarefa dela muitas vezes! Naquela tarde porém, algo a atraiu até o seu "bosque'. Sempre achou bonita a palavra bosque, era como nos contos de fada. Haviam muitas árvores, um riacho e ali também era a casa de muitos animais silvestres, e "outros amigos seus". Fora atraída pelo enorme pássaro, que voava alto e com as asas bem abertas, como numa dança, sem par... Correu pela estrada de terra que dava acesso à outra, agora com mais árvores, já há certa distância da casa. Não costumava avisar quando explorava o "bosque", o que lhe rendia algumas broncas, e palmadas também!!  Era primavera, e havi

Vento

O dia estava cinzento, parecia inverno, no entanto era verão e fazia calor. Os dias se arrastavam intermináveis quando não tinha o que fazer, e assim sendo mamãe sempre encontrava alguma tarefa condizente com seu tamanho. Tudo para tirá-la do tédio, segunda ela... Como estava de castigo por ter sumido horas no "bosque"... mamãe sempre exagerava no "horas" e o bosque era o quintal, bom um pouco mais que isso, quase uma floresta, que dava para os fundos da casa, mas sem problemas, ela conhecia tudo muito bem, não havia o que temer, repetia no auge da sua sabedoria. Sempre quando seguia pela estrada, rumo à casa de algum vizinho, Heidi ficava intrigada com o vento, especialmente quando não havia  sol. Ele agitava as folhas e o ruído que produzia na fiação elétrica dos postes lhe causava medo,  pareciam gemidos, uivos... Carregava uma pequena cesta de vime, onde seriam colocadas as uvas. Seu Alfredo era ranzinza, e não deixava comer uvas além do que se comprasse, então